Bordeaux é mais do que uma região vinícola — é um símbolo de tradição e prestígio. Desde o século IV, quando o poeta galo-romano Ausone já celebrava seus vinhos, essa terra entre os rios Garonne e Dordogne se tornou sinônimo de excelência. E foi na margem direita, em Saint-Émilion, que a Merlot encontrou um lar privilegiado, em solos ricos em calcário e argila, entremeados por pedras que regulam a temperatura e favorecem a drenagem — terroir ideal para tintos elegantes e profundos.

É no cenário encantador de Saint-Émilion, com suas muralhas medievais, vielas de pedra e mais de 200 quilômetros de galerias subterrâneas, que essa uva encontra sua expressão mais refinada. Desde o século II a.C., os romanos já cultivavam vinhas no alto do solo calcário, e séculos depois, os blocos de pedra extraídos dali moldaram a vila e suas adegas históricas. Em 1999, a Unesco reconheceu essa longa tradição ao nomear Saint-Émilion como Patrimônio Mundial da Humanidade — a primeira área vitícola do planeta a receber essa distinção.

Embora Bordeaux seja frequentemente associada à Cabernet Sauvignon, é a Merlot quem reina absoluta nas encostas de Saint-Émilion. Com sua pele fina, taninos sedosos e fruta generosa, ela domina os cortes tintos da região — e ali brilha com intensidade própria, moldada por séculos de savoir-faire.

A história da Merlot é envolta em mistério e encanto. Ampelógrafos acreditam que uma de suas ancestrais veio do Oriente Médio, mas o primeiro registro oficial da uva só apareceu em 1784, já em solo bordalês. Seu nome, Merlot Noir, deriva do merle — o melro europeu, pássaro de plumagem escura que tanto se atrai por seus cachos doces e azul-escuros, quase como se reconhecesse ali um tesouro natural.

Tinto composto majoritariamente a partir de uvas Merlot, além de pequenas partes de Cabernet Franc e Cabernet Sauvignon, com estágio entre 4 e 6 meses em barricas de carvalho francês. Cativante nos aromas e nos sabores, mostra notas florais, de ervas e de especiarias doces envolvendo suas frutas vermelhas e negras, maduras no ponto certo, com sua acidez refrescante e seus taninos firmes e de grãos finos ditando as regras e conferindo fluidez e equilíbrio ao conjunto. Polido, preciso e refinado, tem final persistente, com toques terrosos, de ameixas, de cassis e de alcaçuz.

Este Bordeuax recebeu AD 92 pontos pela Revista ADEGA.